Leishmaniose: Uma Doença Infecciosa Emergente
Na semana do dia 10 de agosto comemoramos a Semana Nacional de Controle e Combate à Leishmaniose e coincidentemente dias depois atendi um paciente suspeito que residia em zona urbana, fora das áreas de maior risco. É justamente por essa razão que decidi abordar este tema de suma importância em meu blog.
A Expansão da Leishmaniose
A leishmaniose, uma doença infecciosa, tem se tornado uma crescente preocupação de saúde pública no Brasil. Anteriormente restrita a estados do nordeste, a doença tem avançado para regiões do centro-oeste, sul e sudeste do país. Esse fenômeno pode ser atribuído a diversos fatores, incluindo migração populacional, desmatamento e construção de grandes obras com impacto ambiental.
A migração de pessoas do campo para as cidades é um dos principais fatores que destacam para a disseminação da leishmaniose. Além disso, ao se deslocarem, as famílias frequentemente levam seus animais de estimação, como cães, que podem ser hospedeiros da parasita. Estudos indicam que onde há cachorros contaminados, existe uma maior infecção humana por Leishmania.
Rotas de Dispersão
De 1920 a 1980, a leishmaniose era restrita às áreas rurais, mas, mais recentemente, começou a ser notificada em áreas urbanas. Em 2012, a doença já tinha sido relatada em regiões como o oeste do Paraná (Foz do Iguaçu), distante das áreas epidêmicas. Entre 2019 e 2022, foram registrados em Goiás 166 casos de leishmaniose visceral, com um total de 11 mortes. Neste ano, ainda não há óbitos pela doença. Já no caso da leishmaniose tegumentar, foi verificada, nesse mesmo período, uma média anual de 491 casos.Nos primeiros 6 meses desse ano já foram identificados 139 casos em Goiás sendo 9 casos em GOIÂNIA. Essa expansão geográfica trouxe desafios adicionais para o controle da doença.
O avanço da leishmaniose não se limita apenas ao Brasil. Além disso, no mundo todo, cerca de 1,69 milhões de pessoas vivem em áreas de risco de transmissão, com 90% dos casos concentrados em seis países, incluindo o Brasil. Portanto, para enfrentar essa situação, é essencial que se compreenda a dispersão da doença e que se adotem medidas de controle, incluindo cooperação com países vizinhos.
O que é Leishmaniose?
A Leishmaniose é uma doença infecciosa causada por protozoários do gênero Leishmania, transmitida através da picada de insetos vetores, como o mosquito-palha. Além disso, esta enfermidade afeta seres humanos e animais, sendo endêmica em diversas regiões tropicais e subtropicais do mundo, inclusive no Brasil. Nota importante que não é contagiosa (não é transmissível de pessoa para pessoa).
Quem causa?
Diversas espécies de protozoários pertencentes ao gênero Leishmania afetam a pele e as mucosas.
Nesse contexto, trata-se de uma zoonose, sendo que esse microrganismo afeta naturalmente animais não humanos, como o ser humano assumindo o papel de hospedeiro acidental.


Globalmente, cientistas conhecem cerca de 30 espécies de Leishmania, e destas, 21 são confirmadas como causadoras de doenças em seres humanos.
Nas Américas, pesquisadores identificaram 12 tipos de Leishmania que causam doenças em seres humanos, ao passo que 8 espécies afetam exclusivamente animais.
No Brasil, até agora, especialistas identificaram 7 espécies desse protozoário, sendo as três principais:
- Leishmania (Viannia) braziliensis:
- Tem uma ampla distribuição que vai desde o Sul do Pará até o Nordeste e abrange o Centro Sul do país, além de algumas áreas na região da Amazônia.
- É comumente encontrado em áreas de terra firme.
- Leishmania amazonensis:
- É predominante em florestas primárias e secundárias da Amazônia, abrangendo os estados do Amazonas, Pará, Rondônia, Tocantins, sudeste do Maranhão, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Goiás.
- Sua presença é mais notável em áreas de igapó e florestas do tipo várzea.
- Leishmania (Viannia) guayanensis:
- Limita-se principalmente ao Norte da Bacia Amazônica, incluindo Amapá, Roraima, Amazonas e Pará, e se estende pelas Guianas.
- É encontrada em florestas de terra firme em áreas que não são inundadas durante o período de chuvas.
Porque uma doença que naturalmente afeta animais começa a afetar o ser humano?
A entrada do ser humano em áreas de mata intocada resulta em sua condição de hospedeiro acidental. Isso acontece devido à manipulação ambiental, que inclui práticas como desmatamento e construção de hidrelétricas, que forçam o parasita a ampliar sua área de circulação.
O crescimento das áreas urbanas também contribui para a convivência direta do ser humano com áreas florestais. Essa expansão urbana dá-se lado a lado com as zonas naturais.
Um estudo realizado entre 2001 e 2009 mostrou presença de 36 circuitos de transmissão da doença. Responsáveis por 43,7% do total de casos registrados em 2009.
Como se transmite? / ciclo de transmissão
Os protozoários causadores da Leishmaniose são transmitidos por picada quando as fêmeas de flebotomíneos infectados se alimentam de sangue. Os parasitas então se multiplicam no interior das células do sistema de defesa do hospedeiro, como os macrófagos.
Hospedeiros e Reservatórios Silvestres:
Os reservatórios de Leishmaniose são os animais que possibilitam a manutenção e disseminação da parasita na natureza.
Esses animais não têm capacidade de transmitir a tecnologia entre si, dependendo da picada de um vetor para transferir ou parasita futura.
Animais Domésticos: Registram-se consideráveis casos de Leishmaniose em animais domésticos, incluindo cães e gatos. No entanto, não existem provas que comprovem o seu papel na cadeia de transmissão.
Até o momento, esses animais são reconhecidos apenas como hospedeiros acidentais.
Vetores: Os vetores responsáveis pela transmissão da Leishmaniose são os mosquitos flebotomíneos, comumente conhecidos como mosquito-palha, tatuquira, birigui, entre outros.


Leishmaniose Visceral:
A leishmaniose visceral, que pode acometer vários órgãos causada pela Leishmania infantum, é a forma mais grave da doença. Além disso, no Brasil, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera essa doença uma das principais doenças negligenciadas do mundo, com maior incidência em populações socialmente vulneráveis, especialmente crianças.
Leishmaniose Cutânea/ Como é a lesão?
Além da forma visceral, a leishmaniose também pode se apresentar nas formas ósseas e mucosas. Além disso, a forma especificamente relacionada à pele é a mais comum e se manifesta por meio de lesões ulcerosas.
Forma cutânea – cicatrização das lesões até 3 meses após final do tratamento
Como é a lesão?
Estágio Inicial: Placa infiltrativa sem úlceras
Lesão típica: Ferida de tonalidade vermelha Úlcera com textura granulosa Margens elevadas e avermelhadas.
Evolução da lesão:
A lesão pode ampliar progressivamente sua área ulcerada, com margens tornando-se mais elevadas e finas em relação à fase inicial da úlcera.
As lesões podem aumentar em quantidade ao longo do tempo.
As úlceras podem se expandir em termos de extensão, seja lateralmente (para os lados) ou em profundidade (para o interior).
Diagnóstico
O diagnóstico da leishmaniose é estabelecido por meio de exames clínicos e laboratoriais. Além disso, cada uma dessas condições requer abordagens de tratamento específicas, destacando, assim, a importância de um diagnóstico preciso antes do início do tratamento.
Para os cães afetados por essa enfermidade, é fundamental ressaltar que, além disso, existe um tratamento aprovado no país, que deve ser prescrito e supervisionado por um médico veterinário qualificado.
Esta é uma doença grave para a qual ainda não existe vacina disponível, podendo resultar em óbito se não for tratada de forma pronta e adequada. Portanto, por essa razão, representa um desafio significativo para a saúde pública global e um dos principais problemas de saúde veterinária no contexto canino, com repercussões relevantes para a saúde pública no país.
As estratégias mais adotadas para prevenir e combater a leishmaniose incluem a gestão de vetores e reservatórios, proteção pessoal, diagnóstico precoce e tratamento de indivíduos doentes, gestão ambiental e educação em saúde. Essas medidas englobam:
- É aconselhável evitar a construção de habitações e acampamentos em proximidade excessiva de áreas florestais.
- A aplicação de dedetização deve ser considerada quando recomendada pelas autoridades de saúde.
- Evitar banhos em rios ou igarapés próximos de zonas arborizadas é uma medida preventiva eficaz.
- O uso de repelentes na pele é crucial para adentrar lesões afetadas pela doença.
- Recomenda-se o uso de mosquitos durante o sono.
- A instalação de telas protetoras em janelas e portas é uma precaução importante.
- A manutenção da higiene nas áreas circundantes às residências e abrigos de animais domésticos é fundamental.
- Realizar podas periódicas nas árvores ajuda a evitar a formação de locais sombreados propícios à controle de vetores.
- Evitar o acúmulo de lixo orgânico é essencial, pois isso reduz a presença de roedores e marsupiais, que são fontes potenciais de infecção para os flebotomíneos.
Tratamento
O tratamento da leishmaniose inclui diferentes opções, como o uso de Glucantime, Anfotericina B desoxicolato, Anfotericina B lipossomal e Petidina. O esquema terapêutico varia de acordo com a forma de apresentação da doença, a idade do paciente, doenças associadas e critérios de cura.
Para garantir a eficácia do tratamento, é essencial que o paciente realize um acompanhamento médico adequado. No caso da forma cutânea, considera-se a cura confirmada quando as lesões cicatrizam em até três meses após o tratamento. Além disso, para a forma mucosa, a regressão da lesão e a confirmação de cura devem ocorrer até seis meses após o tratamento. O acompanhamento é essencial para monitorar o progresso e prevenir recidivas.
Como prevenir?
A prevenção e o controle da leishmaniose se baseiam em várias medidas essenciais. Primeiramente, é fundamental controlar os vetores e reservatórios, além de promover a proteção individual por meio do uso de repelentes na pele e telas protetoras em janelas e portas em áreas endêmicas. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado dos doentes também são passos cruciais para conter a doença.
Manter as áreas próximas às residências limpas e higienizadas, realizar podas periódicas em árvores e evitar o acúmulo de lixo orgânico são estratégias importantes para diminuir a presença de vetores. Além disso, a educação em saúde desempenha um papel vital na conscientização da população sobre os riscos e medidas de prevenção.
Vacina
Dado o alto impacto da leishmaniose visceral, está em tramitação no Congresso um projeto de lei que torna obrigatória a vacinação de cães contra a doença. No entanto, ainda não existem evidências científicas suficientes para garantir a eficácia dessa vacina. Enquanto isso, medidas como o uso de coleiras impregnadas com inseticidas podem ser úteis para minimizar a transmissão da doença.
Conclusão:
A leishmaniose é uma doença infecciosa emergente no Brasil, com expansão geográfica e aumento nos casos notificados. Além disso, seu impacto na saúde humana e animal é significativo, exigindo uma abordagem abrangente de prevenção e controle. É fundamental, portanto, que as autoridades de saúde, profissionais médicos e veterinários, e a população em geral estejam cientes dos riscos e das medidas de prevenção. Além disso, é importante continuar pesquisando e investindo em estratégias de tratamento e vacinação para combater eficazmente essa doença devastadora. A conscientização e a ação coletiva são essenciais para enfrentar esse desafio de saúde pública.